20/04/2012

O Princípio da Vaia

Nada como um bom exemplo para que se tente entender o poder que a vaia e as palavras têm sobre as pessoas em qualquer situação, e quando falamos de futebol tudo fica mais complicado ainda. Vejam só essa historinha... estava eu assistindo ao jogo da minha Portuguesa aqui de São Paulo pela penúltima rodada do Paulistão. Muito bem, a Lusa precisava do resultado para evitar rebaixamento, isso mesmo, inacreditável situação depois de ter subido para a Série A do Brasileiro como campeã no final de 2011 (coisas do futebol que nem cabe dizer aqui). “Faço um aparte aqui... inevitavelmente Botafogo e Portuguesa se enfrentarão esse ano... não sei o que farei, sinceramente...rs”. Continuando, o jogo era contra o Linense, um time mixuruca do interior que disputa ingressar na Série D do Brasileiro. Vencíamos por 2x0, quando os caras diminuíram para 2x1. A Portuguesa de lançou ao ataque e a bola não entrava, sabemos bem como é isso por aqui, né? Num dado momento, pênalti para o Linense. Aí caiu a ficha, porque o goleiro titular, campeão Brasileiro da B no ano passado, o Wéwerton, um ótimo jogador, estava negociando sua renovação de contrato e estava quase fechado com o Atlético PR, ou seja, ia sair da Lusa, e por isso não estava jogando. No gol estava Rodrigo Calaça, um jovem goleiro, arisco e rápido, mas baixo demais para o meu gosto. Expectativa total. O cara do Linense bate o pênalti e o Calaça se esticou todo lá no cantinho e espalmou a bola. O cara pegou o pênalti para alegria geral da torcida. Foi uma festa geral, aplausos e gritaria generalizada, pois ele salvou a Lusa de levar o empate. Logo depois, num lance daqueles em que o goleiro do Linense dá um chutão de qualquer jeito lá para a frente, no desespero, vemos uma cena desastrosa. Dois atacantes sobem para cabecear a bola na área junto com três zagueiros da Portuguesa e nisso, lá vem Calaça correndo para disputar a bola com eles todos. O jovem arqueiro bate de frente com aquela parede humana e cai no chão. Lá atrás o gol desguarnecido... resultado: A bola bate na cabeça de um atacante e vai direto para a rede. Empate no final. A torcida em peso, imediatamente, começa a xingar o rapaz. Um show de vaias e gritos de “Frangueiro” e outras coisas que não ouso escrever aqui. O jogo recomeçou e a imagem da TV fechou no rosto do Calaça. Ele estava chorando desesperadamente e a bola rolando. A torcida não perdoou, infernizou o cara até o final do jogo a ponto dele sair correndo do campo após o apito final e entrar no vestiário aos prantos e chutando portas e tudo o que havia pela frente. Acabaram com o moleque de 19 anos que momentos antes tinha virado um herói ao pegar um pênalti até que bem batido. Rodrigo Calaça me lembra um pouco o Castillo que jogou aqui no nosso Botafogo, pelo jeitão e penteado e tal... até pela estatura. O resultado é que a Diretoria cancelou toda a negociação de Wéwerton e o reintegrou à equipe imediatamente, até quando não sei. Calaça está proscrito e fora dos planos, porque me digam, qual é o técnico que o coloca em campo depois do que a torcida fez após aquele gol? Não tem macho que o coloque de titular lá por um bom tempo, isso se não dispensado por uma infelicidade. Vemos aqui que as pessoas não conhecem o tamanho da força que têm nas mãos, e levadas por impulso e emoção, ou mesmo raiva incontida, protagonizam injustiças absurdas. Claro que comportamento de massa é que define essas coisas. Sozinha uma pessoa não toma certas atitudes que toma quando está acobertada pela massa. Estudos mostram isso do comportamento coletivo que dá a segurança da impunidade, e existe ainda uma variável que é a pior... alguns usam esses momentos de ira para extrapolar suas decepções e recalques e por aí vai. Tente ir para o seu trabalho pela manhã, às 8 ou 9,e iniciar as suas atividades com um desgraçado vaiando você sem parar e gritando que você não sabe fazer nada e o xingando de tudo que é palavrão. Você ia conseguir desempenhar as suas funções? Você pediria demissão? Bateria no cara? Deixaria rolar e perderia o interesse? Vaia é por definição: “Manifestação de desagrado através de gritos, assobios, etc...”. Então devemos vaiar DEPOIS que vemos o resultado e percebemos que a coisa não andou de acordo com o que se esperava. Não ANTES e durante o tempo todo. Primeiro que isso é falta de educação, segundo porque não é justo e terceiro porque você estraga o trabalho que estão tentando fazer. Simples assim. Alguns componentes da torcida, aliás, tenho minhas dúvidas se são torcedores ou baderneiros, iniciam protestos em meio à torcida do Botafogo a qualquer tempo, e levam a massa a acompanhá-los, principalmente se algum jogador erra uma jogada, o que seria até normal. Aí vira uma bola de neve a coisa e a bagunça se generaliza. Nisso vêm os grandes “pensadores intelectuais” dizer que quem paga ingresso tem direito a vaiar. Lógico que tem, mas a gente vaia se o time não presta, se joga mal, se toma um vareio de bola, não vaia por vaiar e achar divertido esculhambar todo um trabalho que tentam fazer. Xingar então, nem se fala, porque além de mostrar que não se tem berço, o ato do xingamento direto produz uma revolta absurda na pessoa xingada. As mãos têm o poder de afagar e de bater. Depois que a dor de uma porrada recebida e devolvida passa, os dois esquecem. Palavras ferem por dentro, magoam, dilaceram uma pessoa e aquele momento nunca é esquecido... cria-se revolta, ódio, raiva e surge aí a necessidade da vingança entre outras coisas. Foi exatamente o que aconteceu com o jovem goleiro Rodrigo Calaça, que saiu chutando portas e chorando desesperadamente de campo. Ele se transformou de herói em vilão absoluto em meia hora de vida. Um momento que nunca mais ele vai esquecer e que pode ter mudado drasticamente a sua vida. A torcida tinha razão no que fez ou devia tê-lo apoiado após o erro que ele cometeu, sendo que tinha acabado de pegar um pênalti? Quem sabe responder a essa questão? Quando alguns dizem que a torcida tem que apoiar os jogadores durante o jogo, não estão errando não. Depois do jogo é outra história. Vaiar e xingar (?) faz parte do jogo, mas se a gente ama a um time como o Botafogo, devemos, apesar de certas circunstâncias, apoiar e elevar a moral de quem está jogando naquele momento, e como eu disse, no mínimo, devemos ter educação e respeito pelos profissionais que estão ali. Eu sempre me posicionei contra o tal do Caio Jr., contra o Felipe Menezes, entre outros, mas pelo que eles jogam , não pelo que eles são como pessoas. Isso é opinião minha e sou contra esses dois mesmo, só que nunca os xinguei e os desrespeitei, como fazem algumas pessoas com jogadores, diretores, presidentes ou seja lá quem estiver na frente. Roupa suja se lava em casa. 

Renato Baptista

Nenhum comentário: